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Mulheres-Mães Universitárias: nadando contra a corrente

"Ser uma mãe possível tem tudo a ver com a batalha diária que eu e muitas mulheres mães travamos para conciliar nossas múltiplas jornadas. Ser mulher, mãe, trabalhadora, estudante, e ainda sim ser perfeita, como isso seria possível?"

Há pouco tempo, em uma entrevista para uma pesquisa de TCC, me perguntaram como eu me sentia em relação à maternidade e a pressão de ser uma mãe perfeita, mesmo tendo que conciliar maternidade, trabalho e faculdade. Respondi que não tento ser uma mãe perfeita, e sim uma mãe possível. Ser uma mãe possível tem tudo a ver com a batalha diária que eu e muitas mulheres mães travamos para conciliar nossas múltiplas jornadas. Ser mulher, mãe, trabalhadora, estudante, e ainda sim ser perfeita, como isso seria possível?


A Utopia da Mãe Perfeita

A mãe perfeita é aquela que se anula e se entrega a maternidade de tal forma que a mulher que antes habitava naquele corpo, não exista mais. Ela tem a casa impecável, o corpo saudável, os filhos comportados, arrumados e cheirosos, os horários bem divididos, os trabalhos em dia, o marido mimado, ela abdica de sua vida social e profissional para se dedicar inteiramente à maternidade. Um filho de uma mãe perfeita nunca faria birra no meio da rua, nem se jogaria no chão. A mãe perfeita, portanto, é uma utopia, utilizada para controlar os corpos femininos, afinal, para ser uma mãe perfeita, devemos deixar de lado os nossos sonhos, nossas aspirações profissionais e nos dedicar inteiramente à maternidade. Não à toa, quando nos tornamos mães, sentimos a pressão social de que devemos nos comportar como mães e para isso, devemos deixar para trás alguns comportamentos que não se encaixariam à realidade materna. A partir da maternidade, tudo que fazemos deve passar pelo crivo social, deve estar dentro da barreira do aceitável socialmente no que diz respeito ao imaginário social constituído do que é ser uma boa mãe, talvez por isso, o ponto mais difícil seja quebrar essa barreira e aceitar, apesar de toda a pressão contrária, que é possível ser mãe, sem deixar de ser mulher em primeiro lugar. É por isso que sempre uso o termo "mulher mãe", para não perder a linha de raciocínio de que toda mãe é uma mulher, antes de tudo.

Mães Universitárias e Maternidade compulsória

Se para a sociedade uma mulher mãe errar é inaceitável, dentro da universidade isso não é diferente, a começar pelo fato de que uma estudante mãe é vista como um ser "errante", pois não é aceitável socialmente que se seja mãe antes de se formar. Com isso temos a nossa capacidade profissional e intelectual questionada diariamente, e provavelmente por conta disso as mulheres mães e universitárias se esforçam o dobro, ou mais, para mostrar que são capazes de estar naquele ambiente e agir de igual para igual. Nós mães nos organizamos para que tudo caiba no horário que podemos, para que nossa rede de apoio, quando existente, funcione. Nos desdobramos para conseguir sair para um trabalho de campo, ou para passar naquela prova que toda a turma, que não tem filhos e pode estudar sem interrupções ou outros problemas, está se descabelando, e além disso tudo, ainda temos que sustentar e criar uma criança. Importante fazer aqui o recorte das mães solo, que dão conta de todas essas problemáticas sozinhas.


Se querem um retrato da mulher mãe universitária, imagine uma mulher em um computador, uma criança dando cambalhota ao seu lado e outra escalando suas pernas, enquanto ela super concentrada acaricia uma das crianças com uma mão, pede para a a outra criança tomar cuidado para não se machucar, e com a outra mão digita um trabalho que precisa ser entregue até às 7h do dia seguinte, um trabalho perfeito e dentro dos moldes acadêmicos.


Se fosse apenas essa a luta da mãe universitária, não estaríamos tão mal, afinal, querendo ou não temos que conciliar a maternidade com qualquer outra atividade da nossa vida, mas a luta é muito mais profunda que isso, não bastasse toda a rotina composta pelas múltiplas jornadas que enfrentamos, na maioria das vezes as universidades não oferecem a estrutura básica para uma mulher mãe permanecer estudando e para que ela se integre àquele espaço, falta também empatia por parte, tanto dos alunos, quanto de grande parte dos docentes. Levando em conta novamente que mães antes de tudo são mulheres, a partir do momento que excluímos as mães do ambiente acadêmico, excluímos também as mulheres, e isso é gravíssimo. Aí nos perguntamos, porque a luta da mulher mãe é tão invisibilizada, e por vezes ignorada, inclusive entre os movimentos sociais? Porque existe aquela máxima: "Quem pariu Mateus, que o embale", e ela é levada ao pé da letra por todos que não querem se comprometer com a problemática materna. A luta materna seria, portanto, uma luta apenas de mães para mães? Mesmo dentro de uma estrutura social onde a paternidade não tem tanto peso quanto a maternidade e que a maternidade é compulsória, sendo a paternidade uma escolha. Essas pessoas que ignoram o ativismo materno insistem em dizer que a maternidade e todas as suas consequências é apenas uma escolha individual e resistem na inclusão da pauta materna como uma pauta social base.


Enquanto não inserirmos a pauta maternidade compulsória nas discussões políticas, sociais, feministas e maternas, a maternidade sempre será tratada como uma mera escolha individual, quando de fato não é. Métodos contraceptivos falham e quando falham, não há outra opção para a mulher a não ser se entregar à maternidade, ou arriscar seu corpo a um aborto clandestino, já que em nosso país o aborto ainda é criminalizado e não existe, pelo menos por hora, nenhuma esperança de mudança na nossa legislação referente a isso, a não ser para pior. Ainda assim o abandono paterno é aceitado e normalizado socialmente. Grifei anteriormente a palavra "mulher" e não utilizei a palavra "mãe" para poder destacar que toda mulher cis, com capacidade reprodutiva, querendo ou não, é passível de ser mãe, portanto, a pauta maternidade deveria ser um assunto discutido por todo e qualquer movimento que se diz feminista. Quando o feminismo exclui a pauta maternidade e maternidade compulsória de sua agenda, quando inclusive se alia a movimentos do tipo "Child free", o feminismo dá um tiro no seu próprio pé, pois falta a compreensão de que, a não ser que você seja assexual ou se abdique de ter uma vida sexual, toda mulher cis heterossexual que seja ativa sexualmente pode se tornar mãe, pois não existe método contraceptivo 100% eficaz, muitas inclusive se tornam mães por meio de violência sexual, portanto, nem se abdicando de uma vida sexual estamos livres da opressão referente à nossa capacidade reprodutiva e à violência de gênero. Gostaria de destacar, e isto é de grande importância quando falamos sobre as problemáticas referentes à maternidade e a capacidade reprodutiva, que homens trans também são passíveis de engravidar, e eles, além de sofrer com as mesmas problemáticas ligadas à capacidade reprodutiva das mulheres cis, incluindo a exclusão dos espaços, perda de direitos básicos, violência obstétrica e outras diversas violências intimamente ligadas à maternidade, ainda sofrem o apagamento e as violências decorrentes da transfobia presente na nossa sociedade.


Direito à permanência universitária e interseccionalidade

Mas como mulher e feminista, eu também posso escolher ser mãe, sem ter que me abdicar dos estudos, do trabalho e da minha vida pessoal e social e as universidades tem o dever de prezar pela permanência de seus estudantes, principalmente quando estes fazem parte de um grupo de vulnerabilidade, que é o caso das mulheres mães, principalmente as mulheres mães pretas e pobres, a interseccionalidade nesse caso tem um peso enorme, pois as intersecções acentuam a problemática materna. Uma mãe branca, com melhores condições financeiras, com uma ampla rede de apoio, sofrerá menos opressão que uma mulher mãe preta, periférica e pobre, que não conta com redes de apoio. Essa diferença é decisiva quando falamos sobre a permanência universitária materna, os recursos que temos disponíveis afetam diretamente à nossa maternidade, recursos esses físicos, financeiros, de acesso ou não aos espaços, de redes de apoio, recursos ligados à visibilidade e aceitação dos nossos corpos sociais e políticos, por isso falar sobre maternidade sem falar sobre interseccionalidade não faz sentido algum, fazer isso excluiria as mães mais vulneráveis a esta problemática.


Segundo os dados do Perfil das Mães da UFRJ, levantados através de uma pesquisa realizada pelo Coletivo de Mães da UFRJ, mais da metade das alunas mães que responderam ao formulário já tiveram que abandonar a universidade em algum momento por conta da maternidade, 77,1% das mães relatam que tiveram o rendimento afetado por conta da maternidade e 90% relatam que a universidade não atende as demandas referentes à maternidade na universidade, não temos os dados relacionados à evasão acadêmica das mães universitárias, pois a universidade não tem um levantamento sobre o número de mães ingressantes, todo o trabalho de pesquisa hoje sobre essa problemática é feito pelos próprios coletivos, por meio de pesquisas internas e levantamentos de pesquisas já existentes relacionadas à maternidade. Já em outras universidades, mães estudantes até pouco tempo não podiam entrar no bandejão com seus filhos, perdendo assim o direito de se alimentar, alunas mães são expulsas das salas de aula constantemente, outras tem que trocar seus bebês em cima das mesas da sala de aula, pois não existem fraldários disponíveis, outras são julgadas por serem mães estudantes e escutam constantemente que a universidade não é lugar de criança. Tudo isso constitui mecanismos de exclusão (FONTEL, 2019) dos espaços que as mulheres mães universitárias encaram diariamente e que, aparentemente, as instituições ignoram ou são permissivas, somada às problemáticas que a própria maternidade carrega, transforma a luta das mães universitárias em uma grande resistência por suas permanências.

Atravessamentos e conclusão

Ser mãe universitária é ser atacada pelo lado da sociedade estruturalmente machista e patriarcal, pelas instituições que hoje excluem as mães e não abraçam a permanência materna universitária, e também pelo lado de parte do ativismo que entende a maternidade como um fracasso e um erro, usando muitas vezes a expressão "não-romantização da maternidade" como escudo para os seus preconceitos, além de ignorarem totalmente a pauta da maternidade compulsória, tão necessária em qualquer debate de cunho feminista.

Ser mãe, universitária ou não, é portanto, nadar contra a corrente. Lutar contra a pressão social da anulação de nossas vidas em função de uma maternidade perfeita e utópica, lutar pela autonomia dos corpos femininos, contra a maternidade compulsória e a favor do aborto legal e seguro, lutar por nossos espaços e contra seus mecanismos de exclusão, e ser, na junção de todas essas lutas diárias, resistência.


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