

Sou uma boa ou má mãe? Meu condicional amor materno
Por: Carla Santos Santiago - citra108dasi@gmail.com

Esse é o primeiro ano, desde que meu filho nasceu, que o amo mais. Contradizendo o que normalmente ouvimos sobre maternidade, eu admito que meu amor por ele é condicional, depende das condições para eu vivê-lo plenamente.
Fugindo das palavras escritas nos cartões de dia das mães, o amor ao meu filho não é - e nunca será - eterno e incondicional. Do momento em que ele nasceu até o ano passado, amar essa criança foi difícil, sofrido e cheio de altos e baixos que interferiram prontamente na sensação e na expressão do amor que sinto por ele.
E nem é por culpa dele ou minha. Eu vivia em situação de insegurança financeira, sem qualquer rede de apoio, assumindo quase que completamente todos os cuidados - e lembrando ao pai a parte dele. Além da infalível culpa materna que afetava minha saúde mental e qualidade de vida.
Conversamos muito sobre a maternidade real, com suas fotos de noite mal-dormidas, roupas sujas de papinha e cara cansada, mas será que podemos encontrar espaço para termos uma discussão sincera e direta de que o amor aos filhos depende de circunstâncias para que seja um lugar de autonomia, prazer e troca?
Esse não é um questionamento só meu. Felizmente, algumas estudiosas têm se debruçado sobre o assunto há muito tempo. Antes mesmo das hashtags nas redes sociais, Elizabeth Badinter discutia em seus escritos o mito do amor materno. Badinter apresenta estudos históricos e analíticos no livro “Um amor conquistado: o mito do amor materno” que desconstrói o instinto materno e sua característica absolutista ao gênero feminino.
De acordo com a autora, o instinto de amor materno universal é um mito, uma construção social, histórica e cultural que impede a percepção da pluralidade de experiências que as mulheres vivem na sua maternidade, em diferentes lugares e em diferentes épocas. Por exemplo, foi apenas no século XVIII, com as ideias do filósofo Rousseau, que a subjetividade feminina ficou atrelada à maternidade. Até aquele momento, a vida e educação dos filhos não era associada diretamente às suas mães. Elas eram entregues para amas-de-leite, servas e instituições religiosas.
As mulheres dessa época não eram consideradas “menos mães” por acompanharem os costumes da época e o amor pelos seus filhos não era questionado - até porque ele não tinha o peso de ser “eterno e incondicional”. Se colocarmos essa visão sobre a cultura de outros povos, veremos mais exemplos de formas de cuidar dos filhos que são únicas e circunstanciais.
Minha discussão aqui neste texto quer chegar em dois lugares.
- As das mães que não conseguem sentir prazer, dada a circunstância da sua maternidade.
- As das mães de filhos que não são agradáveis e, quando já possuem sua personalidade formada, podem ser abusivos.
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Se você faz parte do primeiro exemplo, eu lhe asseguro que seus sentimentos são reais e dignos de respeito. Sem políticas públicas, espaços de visibilidade, rede de apoio, a maternidade se resume em um trabalho exaustivo e infinito. Uma carga que nenhum ser humano estaria disposto a viver caso fosse uma vaga de emprego. As circunstâncias da sua maternidade afetam seu bem-estar, que consequentemente interferem no que você sente na presença de seu filho ou filhos.
Para o segundo exemplo, considero isso mais delicado e não tenho experiência direta a respeito. Porém, eu acompanho a histórias de muitas mulheres e percebo como os filhos e filhas, ao iniciar uma fase de autonomia - normalmente na adolescência - podem ser tão abusivos quanto os parceiros que tivemos. Alguns até se aproveitam da lealdade materna para manipular mãe, tias e avós para conseguir o que querem.
Existem casos até de violência mental e física que, devido ao tabu sobre maternidade ideal, muitas mulheres silenciam seu sofrimento ou negam que estejam sendo mal-tratadas. Recorro ao trecho de um texto forte de um mãe no site e instagram “Mães que escrevem” para que vocês entendam o quão real pode ser essa dinâmica violenta:
“Parte de mim morreu quando minha filha disse que queria me matar. Mais precisamente, a parte que eu era mãe dela. Que se preocupava com o bem-estar dela vinte e quatro horas por dia desde que ela havia nascido, mesmo enquanto eu fazia outras coisas. Que guardava lembranças colecionadas ao longo dos anos. A parte de mim que sentia por ela um amor de mãe. Porque meu amor por ela morreu junto dessa parte de mim. E a morte é definitiva, mesmo a morte de sentimentos.”
Como sinaliza Rozsika Parker no seu livro “A Mãe Dividida: a experiência da ambivalência materna” para as mães é impossibilitado falar sobre sentimentos negativos em relação aos seus filhos:
“O amor é, naturalmente, uma emoção mais fácil de admitir do que o ódio; ele é aceito como parte integrante das mães. A ausência de amor é reputada como catastrófica. O ódio, porém, é frequentemente negado. [...] Quando excede o amor, mesmo momentaneamente, o ódio pode tornar-se uma emoção facilmente identificada. Mas para maioria das mães, na maior parte do tempo, o ódio fica extremamente invisível – escondido, mascarado, contido –, mas nunca obliterado pelo amor à criança.” (PARKER, 1997, p. 22).
Enfim, amar qualquer pessoa demanda muito esforço, tempo, dedicação e comprometimento. Não surge de um estalo mental e nem é mantida pela idealização social sobre como as relações devem ser construídas - sendo alguns delas completamente sacralizadas. Não existe uma redoma de amor que proteja a maternidade das ambivalências que um relacionamento pode viver. Que cada mãe possa ser livre para vivenciar e falar sobre o amor e não-amor que experienciam.
FONTES:
https://www.instagram.com/p/Cd6xAUZLtFF/?hl=pt-br
BADINTER, E. Um amor conquistado: o mito do amor materno. Rio de Janeiro: Nova
Fronteira, 1985.
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PARKER, Rozsika. A Mãe Dividida: a experiência da ambivalência materna. Rio de Janeiro:
Record: Rosa dos Tempos, 1997